terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Lutero e sua influência na Reforma

Fonte: British Library- Luther


Lutero rompeu com o ideal humanístico depois do discurso de Erasmo Da Liberdade da Vontade (1524).  Erasmo, parecia um aliado à Reforma, pois tentou evitar que Lutero fosse condenado e de certa forma admirou as 95 teses. Em 1519 ele envia uma carta para o Cardeal Wosley negando que tenha lido tal documento. Lutero não nega a razão natural do homem, porém opõe-se à tese humanística de Erasmo. (Skinner, 1996). O ponto de tensão entre Erasmo e Lutero se dá no fato das ações decaídas dos homens, nenhum ato pode ser justificado diante de Deus, e assim contribua para nos salvar. A tensão ocorre, pois Lutero nega a definição erasmiana de Liberdade da vontade humana capacitando o homem a se dedicar às coisas que conduzem salvação eterna e Lutero vai contra esse pensamento afirmando que se somos homens de carne estamos destinados ao pecado. Lutero chega a concepção de que o homem está destinado a perdição e não há salvação para ele, pois o ser humano está predestinado a condenação. Devido a ideia de servidão humana ao pecado Lutero entende a relação entre homem e Deus sem nenhuma esperança; Há uma contestação as teses tomistas e humanísticas, que entendiam Deus como um legislador racional, assim a doutrina – tipicamente luterana- da dupla natureza de Deus. Há o Deus que escolheu revelar-se no verbo, cuja vontade pode ser “pregada, revelada, oferecida e adorada”, mas há também o Deus escondido, cuja “vontade imutável, eterna e inescrutável” não pode ser compreendida pelo homem. (Skinner,1996)
Depois que Lutero se instalou no mosteiro agostiniano de Erfurt, uma epifania ocorreu a ele quando lia os salmos, o que mudou sua doutrina e sua forma de ver a justiça de Deus. Sob a tutela de Johann von Staupita, seu conselheiro espiritual, Lutero trouxe uma teologia nova, com base na qual ele pode atacar o papado. Com sua nova teologia, ele foi capaz de expor o conceito de justificação de forma consistente. Ele se afasta da ideia patrística da justificação como um processo gradativo de erradicação dos pecados do fiel, mas vê a justificação como uma consequência imediata “de uma fé que assimila’’, nessa concepção o pecador é capaz de alcançar a justiça de Cristo por si mesmo, de modo que ele se torna um com Cristo. O fiel ao mesmo tempo é um simul justus et peccator – a um só tempo, pecador e justificado. (p.290)
            É por meio da graça redentora de Deus que Lutero consegue resolver o dilema entre o Velho e novo testamento. O velho testamento ensina o homem a conhecer a si mesmo e a incapacidade de praticar o bem, enquanto que o novo testamento reconforta o homem, pois a salvação é alcançada por meio da fé. Essas ideias trazem a luz a teologia luterana, é por meio de Cristo que o homem alcança a salvação.  A teologia de Lutero é uma teologia crucis (teologia da cruz) no qual sacrifício de Cristo continua sendo chave de nossa salvação. A igreja para Lutero é algo invisível, constituída dos fiéis e não uma instituição física. O tratado “Sobre os concílios e a igreja “Lutero enumera os sinais considerados necessários para distinguir o “povo santo cristão” de um mero grupo de papistas. No Manifesto 1520, por ele escrito, o reformador sustenta que todos os crentes e não somente os sacerdotes devem socorrer os seus irmãos. Todos assumem a responsabilidade por um bem estar espiritual. Não há necessidade de um intermediário, todos podem se relacionar com Deus. (Skinner, 1996)
            A teologia de Lutero trouxe consigo implicações políticas importantes. A primeira delas é que ele repudia a ideia de que a Igreja possui poder de jurisdição, detendo de autoridade para regular a vida cristã. A venda de indulgências era algo que Lutero não concordava, pois através desse comércio da fé a igreja afirmava a remissão de pecados dos fiéis. “[...] Ele chegara à conclusão de que, se um pecador atinge a fidúcia, será salvo sem a igreja; se não a atinge, nada que a igreja faça jamais poderá ajudá-lo (Skinner,1996, p294).  Em 1521 ele denunciou (O veredito de Martinho Lutero sobre os votos monásticos) a vida monástica por violar a “liberdade evangélica”. A vida monástica seria contrária ao censo comum e à razão.
            A igreja genuína não é atingida, pois ela consiste num reino espiritual, mas com a teologia de Lutero, se cria um “sistema de Igrejas nacionais independentes, nas quais o príncipe detém o direito de nomear e demitir sacerdotes e bispos (skinner,1996. p.296).” O papa e o imperador não teriam mais poderes paralelos e autoridades seculares teriam agora poder de jurisdição. O texto de São Paulo (início do capitulo da Epístola aos romanos) diz que devemos sujeitarmos às mais altas potestades, e tratemos os poderes existentes como provindos de Deus. O texto tornou-se durante a Reforma, o texto mais citado a respeito dos fundamentos da vida política.
            Lutero acreditava que nenhum súdito deveria se submeter as atitudes ímpias de seus governantes, podendo rejeita-las, mas devido a revolta camponesa de 1524 ele afirmava que todo homem devia se submeter às autoridades constituídas. Assim Lutero define princípios condutores exercendo influencia na nossa história. O Novo testamento, para ele e principalmente as cartas de São Paulo, trazem a concepção de conduta adequada a seguir na vida social e política consistindo em plena “submissão do cristão às autoridades seculares” (Skinner 1996, p. 301)

O Rompimento com Roma: As autoridades seculares e seu papel

Vários governantes além das autoridades seculares das cidades alemãs decidiram adotar o fator essencial desse credo político da reforma de Lutero. A proteção de vários líderes luteranos foi concedida. Frederico I deu continuidade ao que Cristiano II, imperador dinamarquês fez, permitiu que a Biblía fosse publicada em vernáculo.
            Um fato interessante é que Thomas Cromwell, um reformista inglês representou um manifesto anticlerical que “provavelmente ele escrevera em nome da Câmara dos Comuns em 1529 e que, na época, ficara conhecido como a “Súplica da Câmara dos Comuns contra os Ordinários” (Skinner 1996, p.366 apud.Elton,1951, pp.517,520). O manifesto “adquiriu estatuto de advertência oficial, sendo entregue pelo rei à assembleia do clero denominada Convocação, com a solicitação de que essa deliberasse formalmente sobre as queixas ali contidas (Skinner, 1996, p.366).”  Houve consequências e a primeira dela foi uma Resposta em que as autoridades da Igreja defendiam suas jurisdições tradicionais. O próprio Rei criticou essa resposta e em 1532, houve a Submissão do Clero, na qual abandonava qualquer pretensão a uma atividade legislativa independente (Skinner, 1996, p.366 apud.Lehmberg,1970, p. 151-2).  O Ato de submissão foi registrado e no fim de toda essa história o clero foi obrigado a confessar todas as ordenações “que até o presente foram promulgadas” que pela Convocação tinham sido “muito prejudiciais às prerrogativas do rei e incompatíveis com as leis e regulamentos deste Reino” (Skinner 1996, p.366 apud. Elton, 1960, p. 339). Em 1530, durante a revolução que se deu a constituição de fundamentação teórica e política de separação entre Estado e Igreja que só mais tarde veio ser oficialmente advogada. Os governos dos países da Europa, como Dinamarca, Inglaterra, Suécia, etc.... aproveitaram as consequências das campanhas contra os poderes independentes da igreja para tirarem proveito.
 Graças a Thomas Crowell, as jurisdições da Igreja foram transferidas para Coroa, por causa da aprovação do Ato de Apelações, proibindo as apelações de Roma. A igreja para ele é uma parte do corpo político denominada espiritualidade, agora usualmente chamada Igreja da Inglaterra (Skinner 1996, p.368 apud.Elton,1960, p.344). O que se conclui é que o rei teria poder supremo para decidir assuntos de caráter espiritual e temporal. O rei, no caso Henrique VIII tentava ser o líder suprem da Igreja. Com o Ato de Supremacia o rei foi declarado como chefe da Igreja da Inglaterra, e a tese do Ato de Sucessão, anterior ao ato de supremacia já mostrava essa ruptura com o passado como perceberam Thomas Morus e Fisher. Após a declaração do Rei da Inglaterra como chefe da Igreja, Dinamarca e Suécia também tomaram atitudes parecidas.
           
Title page of the Great Bible, sometimes known as 'Cromwell's Bible'
Fonte: Britsh Library
A teologia Luterana foi de suma importância e Cromwell, de acordo com Skinner (1996), se dispôs a adotar uma postura luterana, fazendo uso da bíblia como arma de propaganda política ele chegou a patrocinar bíblias em língua inglesa. A Igreja da Inglaterra estava entre as igrejas que romperam com Roma. O catalisador desse rompimento se deu ao fato da recusa do Papa de anular o casamento de Henrique VIII e de Catarina Aragão, mas por trás disso estava  uma crença nacionalista Tudor 
de que a autoridade sobre a Igreja Inglesa pertencia propriamente à monarquia inglesa ¹. As ideias de Lutero ajudaram na ruptura do poder absoluto da igreja gerando disputas entre a Igreja e a Coroa.







1 - Fonte:https://www.churchofengland.org/about-us/history/detailed-history.aspx


Fonte: SKINNER,Quentin. As fundações do Pensamento político moderno. Companhia das Letras. 728. p, 1996.

            

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